A importância da <i>Wikileaks</i>

Manuel Gouveia

«Manuel Alegre, is often said to want to form his own party in re­bel­lion against the cen­trist-drif­ting PS. He tells us pri­va­tely that is not the case, although he would not rule it out pu­blicly just yet.» A frase é esta, a data é de 2 de Junho de 2009, e per­tence a um dos te­le­gramas da Em­bai­xada dos EUA em Lisboa que o site Wi­ki­leaks tornou pú­blico re­cen­te­mente. A tra­dução é mais ou menos esta: «Diz-se que Ma­nuel Alegre quer criar um par­tido pró­prio, em re­be­lião contra a de­riva cen­trista do PS. Ele disse-nos em pri­vado que não é esse o caso, apesar de não o ex­cluir pu­bli­ca­mente ainda».

Como a mai­oria dos te­le­gramas já di­vul­gados, este também não contém qual­quer no­vi­dade para quem anda in­for­mado. Só para os mais in­gé­nuos par­ti­ci­pantes do Fórum das Es­querdas não es­tava já evi­dente que o pro­jecto de Alegre não era outro senão o de con­se­guir o apoio do PS para a sua can­di­da­tura pre­si­den­cial a troco de ajudar a manter na es­fera do PS o des­con­ten­ta­mento com a po­lí­tica pra­ti­cada pelo pró­prio PS. Mesmo o facto, mais grave, que Alegre terá in­for­mado das suas reais in­ten­ções a Em­bai­xada dos EUA en­quanto iludia o povo por­tu­guês, é algo co­nhe­cido do com­por­ta­mento dos di­ri­gentes his­tó­ricos do PS, pelo menos, desde a che­gada de Carl­luci a Por­tugal em 74.

Da mesma forma que não trazem ne­nhuma no­vi­dade in­for­ma­ções re­ve­ladas nou­tros te­le­gramas, como a de que o pri­meiro-mi­nistro mentiu sobre os voos da CIA ou a de que um ban­queiro se ofe­receu para servir de agente se­creto de uma po­tência es­tran­geira.

Até pelo tipo de do­cu­mentos, a in­for­mação ver­da­dei­ra­mente se­creta não se en­contra neste ma­te­rial agora tor­nado pú­blico. Não en­con­tra­remos algo como as actas da reu­nião de Kis­singer e Ford com Suharto a au­to­ri­zarem a in­vasão de Timor pela In­do­nésia. E mesmo estas, quando foram tor­nadas pú­blicas, apenas pro­varam algo que o PCP afir­mava desde o dia da in­vasão.

E no en­tanto, estas in­sig­ni­fi­cantes fugas de in­for­mação que o site Wi­ki­leaks pro­moveu, co­lo­caram o Im­pério e os seus la­caios em al­vo­roço, e ser­viram para alertar, in­dignar e re­voltar mi­lhões de ci­da­dãos.

As­su­mindo uma im­por­tância ex­tra­or­di­nária, que re­flecte, antes de mais, a fra­gi­li­dade do es­tado de de­sin­for­mação em que o Im­pe­ri­a­lismo mantém as massas, e o papel desta ma­ni­pu­lação na pre­ser­vação do seu poder.



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